domingo, janeiro 04, 2009

Visita Noturna

Já estava escurecendo quando percebi a luz acesa. Aquela janela era particularmente acolhedora para mim. Olhava ansioso durante o dia, toda aquela preocupação com os pássaros e me perguntava o porquê de tanta gentileza.

Meus instintos me atraíam automaticamente. Não saberia explicar o porquê de sentir tanta apelação. Talvez aquele rosto gentil e despreocupado. Balancei a cabeça. Não. Teria que ser algo mais. Muito mais do que uma impressão. Talvez mesmo um pouco de paixão. Aproximei-me devagar.

Olhar ansioso, esperando aquele olhar cálido. Feliz eu diria. Ela tinha movimentos rápidos e eu percebia que havia horário certo para ela aparecer. Não entendia como ela poderia estar ali por tão pouco tempo e no exato horário do crepúsculo.

Aquilo era um mistério para mim e mesmo assim, eu esperava ansiosamente seu comparecimento na varanda com um objeto interessante. Algo como uma nuvem portátil. Chovia por ele e ela sorria enquanto permitia que a chuva pousasse suavemente pelas folhas dos arbustos. Fiz uma anotação mental da necessidade de saber o nome daquele objeto.

Sem desviar os olhos, me perguntei como seria o contato com ela. Certamente ela entenderia meu interesse. Eu a vi retirar nosso bebedouro (sim, este eu já havia aprendido o nome). Sorri sensível e resolvi testar seu súbito esquecimento da porta da varanda.

Aproveitei a semi-escuridão para me fazer passar despercebido. Observei um cão deitado e sonolento próximo à mesa. Ele levantou rapidamente, o olhar bastante atento para mim. Não entendi aquele instinto caçador. Não achei que eu pudesse causar tamanha comoção quando percebi um uivo assustador. Ele estava me intimidando. Pronto para se atirar sobre mim, certamente preocupado com a reação daquela criatura a quem eu tanto admirava.

E então ela surgiu. Meu gemido de satisfação deve ter parecido um guincho assustador e eu não estava preparado para aquela reação. Um misto de horror e asco encheu seu rosto. Perdi imediatamente o controle de minhas ações e fui ofuscado pela luz acesa.

Não conseguia entender seus gritos enquanto tentava explicar que só precisava conhecê-la.

Percebi que quanto mais explicações eu dava, mais assustada ela se tornava. O cão uivava furiosamente para mim, pulando, tentando talvez me atacar.

No meio desse caos ela retornou com um objeto comprido. Percebi com pesar que ela tentava me expulsar de sua presença. Gemi novamente, angustiado com o terror e aversão que eu lhe causava e virei graciosamente para sair pelo mesmo lugar que entrei.

Tantas luzes, barulho, me ofuscaram. Fiquei desorientado por breves instantes até perceber a escuridão me chamando lá fora. Saí rapidamente e pousei numa árvore. Não entendia porque ela não me amava como aos pássaros que ela gentilmente alimentava com néctar...

Foi então que eu a vi fechando rapidamente a porta e apagando as luzes. Aproximei-me novamente e pude perceber que o vidro se transformara num objeto reluzente, refletindo minha imagem.


Agora eu tinha entendido seu medo. Eu era um morcego.

1 Comentários:

Blogger Sheila Emoingt disse...

ficou mesmo bem legal. não teria feito melhhor.
bjks

6 de janeiro de 2009 às 16:58  

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